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Sete Lagoas a Araçaí


Sete Lagoas é a cidade mais ao Sul alcançada por Riobaldo. Mesmo assim foi depois de abandonar a jagunçagem, quando já era fazendeiro pacato nas margens do São Francisco, para consulta em médico.

Visitei a gruta Rei do Mato, que fica na entrada da cidade pela BR 040. Alguns metros abaixo da terra são suficientes pra encontrar o eixo, fora do raio de alcance de qualquer onda eletromagnética. Nenhum sinal de celular, rádio ou GPS. Essa imersão de alguma forma foi o grau zero da viagem, além de servir para matar a saudade dos tempos do grupo de espeleologia na Escola de Minas em Ouro Preto. Sair de uma gruta depois de algumas horas é como um parto das entranhas de Gaia. Os sentidos, principalmente a visão e o olfato ficam mais aguçados.  Segui por dentro de Sete Lagoas e passei por um dos lugares mais bonitos da cidade, que é a horta comunitária, um canteiro largo numa avenida da periferia no Bairro JK, a caminho da saída para Araçaí pela estrada de terra. Na saída fiquei com a imagem do meu filho de cinco anos dizendo que ia preparar a bicicleta dele e na próxima seguiria comigo.

Do início da estrada de terra, ponto inicial da contagem do odômetro, marquei 26 km cravados até o centro da pequenina Araçaí. Me disseram em Sete Lagoas para pegar o asfalto porque eu ia comer muita poeira. Prefiro assim, pó da estrada sai com água limpa, alma sebosa não clareia, essa é encardida!

Durante a pedalada um pequeno problema técnico: passando por costeletas na estrada perdi um sinalizador, um raio e a roda traseira empenou um pouco, o que fez o freio começar a agarrar e ranger. Consegui uma solução provisória afrouxando as sapatas. Melhor não ultrapassar os 35Km/h na estrada de terra para evitar outros problemas desse tipo. Com as subidas e descidas consegui manter uma velocidade média de 10Km/h. Para o primeiro dia e levando em conta o peso da composição e as condições da estrada está satisfatório. Além disso não estou apostando corrida, isso não é um rally.   O gerador de energia foi usado até agora somente para carregar o celular e o GPS diretamente do regulador de tensão ligado ao cubo-dínamo. A bateria de moto de 12v carregou o PC e a bateria da câmera fotográfica e manteve a carga. Trouxe carregada e a expectativa é que ainda segure ainda alguns dias sem precisar de nova carga.   Só quando cheguei na frente da igreja de Araçaí me dei conta de que já havia estado na cidade alguns anos atrás acompanhando o projeto Expresso Melodia. Era um caminhão-palco da Fundação Clóvis Salgado onde realizamos shows em mais de 40 cidades num raio de aproximadamente 100 km de Belo Horizonte. Na mesma hora materializei o mapa da cidade na tela da memória.  Como eu podia ter me esquecido?

Araçaí é o ponto de chegada da famosa viagem realizada por Guimarães Rosa em 1952 – publicada em reportagem no mesmo ano pela revista O Cruzeiro – acompanhando uma boiada conduzida por Manoel Nardy, o personagem Manoelzão de Uma Historia de Amor, do livro Corpo de Baile. Acompanharam a comitiva outros personagens como o cozinheiro Zito e o cantador Bindóia. As anotações dessa viagem foram publicadas recentemente pela Nova Fronteira em edição fac-similar. De certa forma vou fazer o percurso inverso do que foi realizado em 52, saindo de Araçaí em direção a Cordisburgo pela estrada de terra, depois Morro da Garça, Andrequicé e Sirga.

Meia hora depois de entrar na cidade sou abordado por uma viatura policial. Os fardados foram acionados pela rede de vizinhos protegidos, nesse caso formada pelos 1.600 moradores do perímetro urbano. Detesto as redes de vizinhos protegidos e suas paranóias de segurança. No Grande Sertão os combates com os soldados da lei acontecem sempre na margem direita do São Francisco. Mas não me revistaram – poderiam ter encontrado o facão – e foram até gentis, um tanto constrangidos por terem de cumprir a função de abordar o forasteiro. Depois me ‘escoltaram’ até o único pouso da região, nos Araçás. “Com fé em deus, eu não vou morrer tão cedo”!

Postado em 20/07/2012 Cavalo Motor

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Sobre o autor

Makely Ka (Valença do Piauí, 1975) é um poeta cantor, instrumentista, produtor cultural e compositor brasileiro. Makely é poeta, compositor e agitador cultural. Atuando em diversas áreas como a música, a poesia e o vídeo. Incorpora à sua produção artística um componente crítico e reflexivo. Autodidata, desenvolveu uma poética musical própria, amalgamando elementos da trova e do aboio de herança ibérica às novas linguagens sonoras urbanas como o rap, do despojamento da poesia marginal ao rigor formal da poesia concreta.

(1) resposta

  1. Silas Duarte
    20/07/2012 de 15:02 · Responder

    Sensacional… esta viagem_aventura_imersão & releitura!
    Q os bons ventos soprem te protegendo e renovando a alma!!
    Estaremos torcendo e orando… curtindo e visitando junto com tuas rodas, tuas poesias, teus olhos e tuas memórias…. saúde!!!

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