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Estirar a Língua

Oito séculos antes de Cristo o gesto era vulgar pela Ásia em pleno insultuoso. O profeta Isaías (774-609 a.C.) refere-se: “De quem fizeste vós escárnio? Contra quem abristes a boca, e deixastes a língua de fora? (57,4).Trezentos e sessenta e dois anos anteriores a Era Cristã, os gauleses assaltaram Roma e um dos guerreiros pôs a língua de fora injuriando os Romanos. O jovem Titus Manlius abateu-o: (Tito Lívio, VII, 9, 10, Valério Máximo, VI, 0, 1-2, Aulo Gélio, IX, 13,3), divulgando página dos desaparecidos Anais de Q. Cláudius, sobre a lingua exertare do gaulês atrevido. É do patrimônio mímico de toda a Europa. Pretos africanos e os nossos indígenas ignoraram o gesto antes do contato árabe e luso-espanhol. No Coração de Espinhos, de Lucas de Cranach, o Velho (1471 – 1528), Museu de Gand, um velhote ajoelhado, apresentando uma vara à guisa de cetro, suspende o gorro numa saudação caricata, e estende a língua zombeteira ao Filho de Deus. Dante Alighieri (Divina Comédia, Inferno, XVII, 74-75), inclui o paduano Reginaldo degli Scrovegni com a língua pendente, agressivo, inconformado, insubmisso, como boi lambendo o nariz: – Di fuor trasse la lingua come bue che il naso lecchi. No embarque para a Sibéria dos sublevados de 1906, une femme tire la langue au photographe: (L’Ilustration, Paris). É preciso que esse gesto tivesse merecido no Tempo uma longa capitalização significadora, um profundo conteúdo bárbaro e vivo no sentimento popular para que a mulher russa o escolhesse como a derradeira mensagem de protesto e desabafo. Recebemo-lo da Europa na equivalência da palavra do general Conde de Cambronne em Waterloo, comandando lê dernier caré de la Vieille Garde em 18 de junho de 1815. Frase suja que Victor Hugo disse sublime e Cambronne negava te-la dito. Foi divulgada a fotografia de Monteiro Lobato mostrando a língua aos sabotadores do petróleo: (Edgard Cavalheiro, Monteiro Lobato. Vida e Obra, 1°, S. Paulo, 1955). Tirer la langue à quelqu’n, se moquer de lui. No antigo Tibete constituía saudação dos humildes aos superiores (W. Montgomery Mac-Gover, Mon Voyage Secret à Ilhassa, Plon, Paris, 1926). Teria inicial morfologia no mito das Gorgonas, de língua exposta. Criação autônoma no México pré-colombiano, Maias de Chich’em Itzá, Mixtecos de Cholula, esculturas de animais símbolos com a língua longa e visível. O egípcio Bes, Bisou, Besou. A Gorgona, Gorgoneion no estudo de Minerva: medalhões e frisos de Igrejas na Inglaterra. Para mim, nem Luxúria e nem Gula. Estilização da Náusea. Kuuipo Aloha, o Deus do Amor no Hawai, tem a língua de fora e as mãos unidas pelas falanges na altura do abdome. Na lógica etnográfica seria a representação da refleção gulosa sem nenhum elemento erótico.

Câmara Cascudo
História dos Nossos Gestos – Uma Pesquisa na Mímica do Brasil

Postado em 01/09/2009 Blog!

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Sobre o autor

Makely Ka (Valença do Piauí, 1975) é um poeta cantor, instrumentista, produtor cultural e compositor brasileiro. Makely é poeta, compositor e agitador cultural. Atuando em diversas áreas como a música, a poesia e o vídeo. Incorpora à sua produção artística um componente crítico e reflexivo. Autodidata, desenvolveu uma poética musical própria, amalgamando elementos da trova e do aboio de herança ibérica às novas linguagens sonoras urbanas como o rap, do despojamento da poesia marginal ao rigor formal da poesia concreta.

(2) respostas

  1. makely
    01/09/2009 de 02:50 · Responder

    Por minha conta, acrescentaria ainda ao verbete do Cascudo a língua-falo símbolo dos Rolling Stones e a foto de Albert Einstein com a língua escancarada, dois dos maiores ícones do século XX, representando a transgressão, a irreverência e o escárnio na melhor tradição satírica!

  2. mary
    01/09/2009 de 08:19 · Responder

    😛

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