O meu primeiro livro, chamado “Objeto Livro” foi lançado em 1998 numa pequena tiragem de 200 exemplares. O livro é composto por poemas metalinguísticos e toda sua concepção gráfica, desde a capa às orelhas, remetem ao objeto livro como mercadoria. As gravações foram realizadas para o projeto “Arregale os Ouvidos”, que se propõe a produzir audiolivros para deficientes visuais, aproximando a escuta à experiência da leitura do texto no papel.
Alguma Crítica
“Objeto Livro: para enxergar além da página” / Por Paulo Andrade
Jornal O Imparcial – Araraquara, 6 de junho de 1999
Subvertendo o poeta alemão Hölderlin, que a certa altura se perguntou “para que poetas em tempos de crise?” e rompendo as barreiras e as dificuldades de se lançar no mercado editorial, tem crescido de forma significativa, no final dos anos 90, o número de poetas e ficcionistas independentes e de qualidade no país.
Há pouco tempo fui presenteado com um livro de estreia em que o poeta Makely, de Belo Horizonte, leva a ideia da produção independente às últimas consequências. ‘Objeto Livro’ discute as questões editoriais ao derrubar a aura da obra como algo contemplativo, como transmissora de conhecimentos, dotada de status, adorada e respeitada por uma elite distante dos mortais. E, sobretudo, distante do leitor. Radical desde sua apresentação, o livro do poeta mineiro suscita a participação do leitor ao ser concebido como um produto cuja função é (e deve) ser consumido. A ironia está presente em todos os níveis, desde a feitura do livro enquanto suporte, reiterando sua utilidade, desde a capa e o texto de apresentação: “é de máxima importância informar que você adquiriu um produto de primeiríssima qualidade, indiferente às oscilações do mercado e às variações de temperatura”.
‘Objeto Livro’ provoca uma ruptura radical em toda sua composição, com a clara intenção de desautorizar a consciência do leitor que, de tão acostumado com a “lógica”e a naturalidade dos objetos, não reflete mais sobre eles. Comecemos pela capa que traz o aviso “venda proibida para críticos menores”, uma tática que pretende afastar aquele profissional que confunde sua própria função de crítico, que deveria ser a de um mediador entre a obra e o leitor, como aquele que enriquece a própria obra preenchendo as lacunas, as fissuras do texto, para se aviltar em comentários subjetivos ou se envolver emocionalmente com o texto emitindo juízos de valor impressionistas, do tipo “gostei/não gostei”.
Já na capa, o leitor tem conhecimento do objeto que está comprando e começa a participar da construção dos significados do livro. O autor já dá a fórmula, como se fosse um remédio comprado em farmácia: “contém: sintagmas aromatizados, acidulantes metafóricos, conjunções anti-umectantes, corantes disjuntivos, esterilizantes assindéticos, assertivas desidratadas, conservantes indiscriminados, imitação de poema. Válido até: ontem”.
Ao seguir para a orelha da página o leitor ganha outra sacudidela. O poeta desmetaforiza o sentido de orelha (parte da capa do livro), que volta ironicamente ao seu sentido primeiro: “Ouça este apelo: doe uma orelha a quem não sabe escutar”. Enfim, a ironia está no cerne de ‘Objeto Livro’, tanto em sua composição gráfica como nos poemas, cujos trocadilhos raros e bem humorados provocam suspensão no leitor.
O livro de estreia de Makely insere-se numa tradiçãoo que começou com Mallarmé e que no Brasil encontrou em Augusto de Campos seu principal representante, com os seus ‘Poemóbiles’ (1968-74) e ‘Caixa Preta’ (1975), objetos-poemas e poemas-objetos manipuláveis, feitos em colaboraçãoo com Júlio Plaza. O projeto do autor de ‘Un coup de Dés’não era que só a palavra mas o próprio livro já fosse em si o significante, dotado de autonomia artística. A grande diferença é que Makely tem consciência que seu livro é um objeto que está inserido numa sociedade de consumo.
Apesar do hibridismo estilístico que marca aa poesia dos anos 90, não há como não reconhecer na poesia de Makely suas influências. A expressão plástica e espontânea da ‘geração marginal’ aliado ao rigor construtivo da poesia concreta é visível em seus poemas. É impossível ler ‘Objeto Livro’sem se lembrar de Leminski ou de Torquato Neto, a quem o poeta dedicou um poema.
É nesta brecha entre marginais e construtivos que este poeta emite uma voz singular, que ora apresentamos ao leitor:
descascar palavras
abrir feridas na língua
aftas
lavras em veios
pedras a meio descaminho
palavras gastas
descascadas de sentido
palavras cascas
nada é palavra
palavra é tudo
palavra que é palavra que é palavra que é.
estimulo músculos da língua
articulo nervos minúsculos
o poema pinga
gotas
em
voz
baixa
Áudiopoemas
Capa
Primeira Orelha
Ficha Técnica
Recomendações Prefácil
A Palavra que Brota de Pedra
A Voz se Cala
Como uma Senda
Contracapa
Corte a Faca
Dividimos um poema ao meio
Ensaio sons
Escrevo torto
Estímulo músculos da língua
Ferir com a ponta de aço
Forca x Deslocamento
Lasco um trisco de letra
Me calo
Menu
Meu poema mais lindo
Meus versos dissonantes
Minha poesia deserta
Mutilacoes
Não importa o sentido
Não procura entrever nas entrelinhas
Não sou poeta concreto
Nas entrelinhas
O poema se fez por si
O poeta lambeu espinhos
Palavras cascas
Para escrever todo dia
Poema a esmo
Poema a sangue frio
Poema-Bula.mp3
Poema-de-Vidro.mp3
Poema-Epileptico.mp3
Poema-Inclassificavel.mp3
Poema-Sem-Sentido-Definido.mp3
Poema-Telegrafico.mp3
Sou-Mais-Eu.mp3
Torquato-Esquartejado.mp3
Transformar-Tudo-em-Poesia.mp3
Vem-e-nao-volta.mp3
Visagens.mp3
Pacto cínico
Segunda Orelha
Contra-capa
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