Jornal Estado de Minas – Cultura
Belo Horizonte, sexta, 22 de Dezembro de 2006
Ailton Magioli
“O poeta Makely Ka é apontado por especialistas e músicos como o letrista que melhor simboliza a nova geração de artistas mineiros“
“O que caracteriza a nossa geração é a mania de samplear tudo”, diz Makely Ka, ao listar influências da sua poesia, que vão de Maiakóvski aos marginais brasileiros, passando por Lautréamont, Ying Sang e todos os beats, além do simbolismo, surrealismo, concretismo e modernismo. Nascido em Valença (PI) e criado em Barão de Cocais (MG), foi em Belo Horizonte que Makely Oliveira Soares Gomes, de 31 anos, se transformou no poeta, letrista e músico que vem chamando a atenção pela contemporaneidade de sua obra. A ponto de ser apontado em uma enquete da reportagem do Estado de Minas como o letrista símbolo da novíssima geração em atividade na capital. O pseudônimo, segundo revela, foi adotado pela sonoridade da letra k que, além de rico significado literário, batiza livro do também poeta russo Vielimir Klebnikov.
Dentro da denominada economia criativa, Makely Ka se autoproduz e não oculta o orgulho de nunca ter procurado gravadora ou editora, apesar de revelar que já foi sondado pelo mercado editorial. Com dois livros publicados (Objeto livro, de 1998, e Ego excêntrico, de 2003, que vem com o CD Poemas de ouvido encartado), o letrista produziu e gravou a coletânea A outra cidade, que reúne a nova geração musical belo-horizontina. Este ano lançou Danaide, da parceria com a mulher Maísa Moura. Para 2007, prepara Autófago, o primeiro disco solo, integralmente autoral que, anuncia, será mais rock’n’roll. Até então a sua produção musical tendia para canções e baladas. Além de editar a Revista de Autofagia com o poeta Bruno Brum, Makely também edita um blog (www: autofago.blogstop.com) e apresenta o espetáculo de poemas Autofagia, no qual faz uso de samplers.
“O que Makely tem de mais característico é o trânsito absolutamente livre entre a poesia da canção e do livro”, detecta Ricardo Aleixo. Coincidentemente aí também residem os aspectos mais ricos e frágeis do artista que, na opinião do também poeta-letrista, são a capacidade de introduzir na canção – especialmente na parceria com Kristoff Silva – elementos tradicionalmente associados à poesia de livro, e a tentativa de levar para o livro procedimentos que são usados há mais tempo por outros poetas, com melhores resultados, segundo Aleixo.
“A poesia sempre esteve ligada intrinsecamente à música”, pontua Makely Ka, lembrando que o processo de escrita é que começou a separar as duas manifestações. “As poéticas contemporâneas, no entanto, apontam para a vocalização do poema”, aposta, admitindo que vivemos o momento em que a poesia começa a ter outros suportes, desagarrando-se novamente do papel. No primeiro disco solo, por exemplo, ele diz que vai trabalhar mais o canto falado. “Algo entre a fala e o canto, onde me sinto mais à vontade”, explica o autor, que gosta de cantar as próprias canções.
RENEGADO
“O Makely Ka recupera muito bem a história da música como poesia”, pondera Patrícia Ahmaral, satisfeita com o resultado da enquete que, em sua opinião, traz à tona a trupe que está contribuindo para a renovação da cena poético-musical. “Entre as mulheres, além da Erika Machado, há a Mila Conde. Mas o nosso grande compositor popular é o Vander Lee”, destaca a cantora, que também cita Ricardo Aleixo e Renato Negrão como letristas de trabalhos consistentes. Surpreso pelo segundo lugar que lhe coube, Flávio de Abreu Lourenço, o Renegado, de 24 anos, diz que o resultado é justo porque, além do trabalho solo reconhecido, Makely vem sendo gravado por vários intérpretes.
Com o primeiro disco solo (Do Oiapoque a Nova York) sendo preparado para o ano que vem, Renegado, que lidera o grupo de rap Negros da Unidade Consciente (NUC) há nove anos, transformou a comunidade do Alto Vera Cruz, na regional Leste, em ponto de referência da nova cultura belo-horizontina. “Renegado não tem vergonha de expor seus sentimentos enraizados”, elogia o jornalista Paulo Vilara, que diz ter visto um show de Renegado em que a própria mãe do artista subia ao palco. “É a força da periferia se fazendo ouvir”, acrescenta. Já Makely Ka é um poeta mais elaborado na opinião do autor do recém-lançado Palavras musicais – Letras, processo de criação, visão de mundo de 4 compositores brasileiros: Fernando Brant, Márcio Borges, Murilo Antunes, Chico Amaral – Entrevistas.
“O discurso da letra de Mulher do Norte (“Jamais se submeta a mim/ pois posso lhe escravizar/ não é porque eu seja ruim/ é como sei amar”) é muito contemporâneo”, destaca Paulo Vilara, que inclui Vander Lee na relação dos novos letristas, pelo cotidiano popular que ele leva para composições como Balanço do balaio e Chazinho com biscoito, que classifica de verdadeiras crônicas. De olho na nova geração, o também letrista Murilo Antunes detecta em Makely Ka um artista inventivo e inovador. “Ele tem boas experimentações poéticas”, atesta, incluindo o também letrista na tribo de Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik, influenciada pela poesia moderna.
ABOIOS E VÍDEOS
Segundo Makely Ka, apesar das influências da mãe professora e do pai, um tio, também músico e artista plástico, foi responsável pelo aprofundamento de seu contato com a literatura. “Figura mística, meu tio me levou a ter contato com livros sagrados, através dos quais conhecia a tradição oral de 5 mil anos atrás”. “Já meu pai me trouxe o cordel, repente e aboios nordestinos, onde encontrei vínculos com Homero”. Depois do curso técnico que o levou a trabalhar em uma nineradora, Makely descobriu nos festivais de inverno de Ouro Preto o canal para a arte, começando a trabalhar na edição de vídeos paralelamente aos poemas que já vinha colecionando.
Para musicar os poemas foi uma questão de tempo. Já na universidade, onde cursou filosofia, que acabou abandonando, passou a viver em comunidade com jovens artistas e daí nasceram as parcerias. As primeiras músicas gravadas foram Queixumes e Menina ilha dos olhos d’água, que Alda Rezende inclui no repertório do CD Samba solto. Hoje, a lista de intérpretes vai de Regina Spósito a Anthonio, passando por Júlia Ribas, Vitor Santana & Mariana Nunes, além de Titane, Patrícia Ahmaral e Elisa Paraíso. O parceiro mais constante do poeta é Kristoff Silva, com quem contabiliza cerca de 20 composições.
Mas a parceria vai da mulher Maísa Moura ao lendário Marku Ribas, além de Renato Negrão, Renato Vilaça, Flávio Henrique, Dudu Nicásio, Antônio Loureiro e, mais recentemente, Chico Saraiva, do grupo paulistano A Barca, e Guilherme Wisnik, filho de José Miguel Wisnik. Para Makely, o processo de composição costuma ser diferenciado. “Quando você faz música e letra sozinho tem de cobrir a métrica, buscar as rimas. O processo parece uma mistura de poesia com palavras cruzadas. Já na letra que vai ser musicada pelo parceiro há mais recursos e liberdade. Mas não dá para passar texto em prosa sem elementos musicais. Tem de ter aliterações , rimas e algum ritmo, coisas que facilitam na hora de colocar a melodia”, compara.
LIRISMO CONTEMPORÂNEO
O lançamento recente de Palavras musicais – Letras, processo de criação, visão de mundo de 4 compositores brasileiros: Fernando Brant, Márcio Borges, Murilo Antunes, Chico Amaral – Entrevistas, de Paulo Vilara, instigou a reportagem a promover a enquete para descobrir quemprincipal letrista em atividade na capital. Jornalistas, cantores e letristas-poetas participaram da votação, cujo resultado é produto do rico momento vivido pela música produzida em Belo Horizonte, onde variadas vertentes se manifestam em canções, baladas, raps, sambas e outros gêneros.
ELEITORES E VOTOS
Chico Amaral – Makely Ka e Gilberto Sáfar
Marcelo Dolabela – Erika Machado e Francesco Napoli (Zanzara)
Patrícia Ahmaral – Makely Ka e Christian Maia
Paulo Vilara – Makely Ka e Renegado (NUC)
Pedro Morais – Makely Ka e Magno Mello
Ricardo Aleixo – Sérgio Pererê e Renegado (NUC)