“Coisa estranha é a escrita. Tudo indicaria que sua aparição não poderia deixar de determinar mudanças profundas nas condições de vida da humanidade; e que essas transformações deveriam ser, acima de tudo, de natureza intelectual. Depois de eliminarmos todos os critérios propostos para distinguir a barbárie da civilização, gostaríamos de reter pelo menos este: povos com ou sem escrita, uns capazes de acumular as aquisições antigas e progredindo cada vez mais rápido rumo ao objetivo que se fixaram, ao passo que os outros, impotentes para reter o passado além dessa franja que a memória individual é suficiente para fixar, permaneceriam prisioneiros de uma história flutuante à qual faltariam sempre uma origem e a consciência duradoura de um projeto.
Contudo, nada do que sabemos sobre a escrita e seu papel na evolução justifica tal idéia. Uma das fases mais criativas da história da humanidade situa-se no início do Neolítico, responsável pela agricultura, pela domesticação dos animais e por outras artes. Para chegar a isso, foi preciso que, durante milênios, pequenas coletividades humanas observassem, experimentassem e trasmitissem o fruto de suas reflexões. Essa imensa empreitada desenrolou-se com um rigor e uma continuidade atestadas por seu sucesso, enquanto a escrita ainda era desconhecida.
Se quisermos estabelecer a correlação entre o aparecimento da escrita e certos traços característicos da civilização, convém procurar em outro rumo. O único fenômeno que a acompanhou fielmente foi a formação das cidades e dos impérios, isto é, a integração num sistema político de um número considerável de indivíduos e sua hierarquização em castas e em classes. Em todo caso, esta é a evolução típica à qual assistimos, desde o Egito até a China, no momento em que a escrita faz sua estréia: ela parece favorecer a exploração dos homens, antes de iluminá-los. Há que se admitir que a função primária da comunicação escrita foi facilitar a servidão. O emprego da escrita com fins desinteressados, visando extrair-lhes satisfações intelectuais e estéticas, é um resultado secundário, se é que não se resume, no mais das vezes, a um meio para reforçar, justificar ou dissimular o outro.”
Trecho do livro Tristes Trópicos, publicado em 1955
Tradução de Rosa Freire d’Aguiar
Nuh… pensamentos selvagens mesmo! Bacana o texto!
(nossa, que coisa difícil postar um coment…..)
também gostei do texto makely.
e das fotos dele também.
grande pensamento!!!
bj
é!
“reforçar, justificar ou dissimular.”
hum… acho que me identifiquei. me enquadro no “resultado secundário”.
Pois é Guillherme, esse é só um trecho, vale a pena ler o resto. Essa é a idéia!
Adrea, seja bem-vinda! Qual foi a dificuldade?
Abraços Marden!
Matheus Matheus, o resultado secundário é a nossa função, ainda que seja utópica…
dificuldade superada!!! problemas com a internet mesmo!!!!
boa viagem à galícia!!!!!!!! delícia!!! ops………. rsrs
Na verdade não entendi ainda como ele começou a ESCREVER o pensamento. Talvez seja “para reforçar, justificar ou dissimular o outro”. rararara!
Boa viagem. Traga os bons!