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A Moura

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“Esculpindo a solidão no sal”

Renato Negrão em Extravio
O CD de estréia da cantora mineira Maísa Moura é um dos trabalhos mais interessantes do mercado fonográfico atual. Além da voz de timbre raro, com coloração escura e expressão delicada, os arranjos sofisticados, quase sempre enxutos (por vezes até minimalistas) e o bom gosto que exala como um todo, o repertório consegue captar os lastros da decantação de uma tradição peninsular que herdamos e que fincou raízes no nordeste brasileiro. Para além da instrumentação, que mescla rabeca e violoncelo, sanfona e pandeiro, viola caipira e guitarra portuguesa, sitar indiano, saz turco e ronroco andino, os ecos dos árabes e bérberes que dominaram a Península Ibérica por oito séculos se faz sentir nas melodias modais, no acento rítmico das palavras, no lirismo agreste das letras.

O deserto percorre todo o disco, seja em arranjos que evocam a ação contínua dos ventos como em “Seu Avô”, seja na própria temática de canções como “Casa de Areia”, que descreve a ação inexorável do tempo e das forças naturais numa paisagem desolada. A solidão (Sombra, Terra Estrangeira, Extravio, Casa de Areia), a loucura (Canção do Lobisomem, Cego com Cego, Mortal Loucura), os rituais de passagem (Solstício de Inverno, Moçambique) assim como os pequenos prazeres e as belezas mais recônditas (O Pidido, O amor de Dentro, Ímpar ou Ímpar) insurgem com uma força arrebatadora que nos coloca diante do imponderável da vida. Cada nota soa como cristais de areia e sal que atravessaram o atlântico em correntes de ventos marítimos e formaram aqui paisagens sonoras inusitadas.

Por outro lado, consciente de que a influência moura aqui deste lado se fez presente por apropriação e justaposição constante de elementos da cultura árabe com a cultura negra, indígena e européia branca, através de fusões melódicas, rítmicas e instrumentais, o disco não se prende a um estilo ou gênero específico que possa dar ao trabalho o caráter de música árabe ou oriental, por assim dizer. Pelo contrário, o que se dá é um diálogo profundo com a melhor tradição da música brasileira e isso, por si só, explica e justifica seu ecletismo e sua profusão de referências implícitas. O tempero mourisco, por sua vez, surge amalgamando a multiplicidade nos pequenos detalhes, nos intervalos de tons audíveis apenas para os ouvidos treinados, nas escalas nordestinas que pontuam uma e outra melodia, nos silêncios suaves e nas respirações suspensas. Apesar de incontestável, a herança ibérica é sutil, às vezes subliminar, tornando a audição uma verdadeira aventura através do tempo e do espaço sonoro. E não é por acaso que o disco remete ainda aos gregos, a começar pelo próprio nome. Afinal, foram os árabes que re-introduziram a cultura grega na Europa medieval cristã.

O tecido fino dessa Moira interliga conceitos e idéias esquecidos no baú de nossa memória ancestral. O fio da tradição oral se torna por isso um guia imprescindível para nos orientarmos na travessia desse labirinto implacável de sons e sentidos. Não será surpresa tampouco se Cloto fiar essa linha de Ariadne na roca contemporânea que engendra a rede mundial conectada por fibras óticas. Nas mãos das Parcas as tessituras da vida se entrelaçam para determinar nosso destino. Maísa é uma fiandeira de sons e não há como passar imune aos seus sortilégios. A não ser que você tenha cera nos ouvidos!

Postado em 02/07/2009 Blog!

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Sobre o autor

Makely Ka (Valença do Piauí, 1975) é um poeta cantor, instrumentista, produtor cultural e compositor brasileiro. Makely é poeta, compositor e agitador cultural. Atuando em diversas áreas como a música, a poesia e o vídeo. Incorpora à sua produção artística um componente crítico e reflexivo. Autodidata, desenvolveu uma poética musical própria, amalgamando elementos da trova e do aboio de herança ibérica às novas linguagens sonoras urbanas como o rap, do despojamento da poesia marginal ao rigor formal da poesia concreta.

(10) respostas

  1. Andréa
    03/07/2009 de 20:00 · Responder

    linda moura, moira.
    voz com eira e beira.
    comovente, memorial.
    me arrastou entre lágrimas pela estampa de tecitura fina e delicada da sonoridade desse disco.
    maravilha!

  2. andrea
    05/07/2009 de 18:14 · Responder

    makely, onde encontro a ficha técnica do disco?
    quero saber tudo, estou apaixonada, ouvindo pela terceira vez!!!!

  3. andrea
    05/07/2009 de 19:38 · Responder

    purz, makely, foi mal, só copiei as músicas pra outra pasta…. relapsa eu…
    maravilha. obrigada!

  4. Renato Negrão
    06/07/2009 de 17:31 · Responder

    Esse disco entra na seleta bolsinha.

  5. Pedro Paulo
    12/07/2009 de 18:44 · Responder

    "Danaide" é o álbum predileto quando corro meus 9km diários na Av. Teresa Cristina. Sou fã do "Astronauta Neandertal". Será que esse álbum também se figurará entre os prediletos? Terão outras faixas que virarei fã? Já estou baixando para conferir! hehe.

  6. makely
    12/07/2009 de 20:12 · Responder

    Salve Pedro!
    Me diga depois o que achou.
    Abraços

  7. Luma
    13/07/2009 de 19:06 · Responder

    Oba!!! vou baixar e depois te digo!

    Como estamos?

    Makely, tento entrar no site e sempre dá link errado. Dá uma olhadinha lá!

    Beijus

  8. Luma
    13/07/2009 de 19:13 · Responder

    Makely, eu queria te aproximar de uma pessoa que tem programa em Rádio em São Paulo e divulga novas bandas. Se interessar me manda um e-mail. Beijus

  9. Anonymous
    13/07/2009 de 21:35 · Responder

    Belissimo trabalho,gostaria de poder adquirir o cd original. Por favor, responda-me através do e-nail hcanutto@yahoo.com.br.
    Abraços,
    Higino

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