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Estado de Minas
Terça-feira 19 de junho de 2007





Contundência necessária

Kiko Ferreira

Quem conheceu Makely em incursões poéticas, assembléias de músicos, performances e e-mails instigantes, sentiu falta, nos dois primeiros trabalhos, da virulência e da postura sempre afiada comum às suas comunicações e expressões públicas e privadas. O primeiro, o coletivo A outra cidade, era dividido com Pablo Castro e Kristoff Silva e andava em paralelo com o fundamental projeto Reciclo geral, que revelou uma geração de artistas mineiros. Já A Danaide foi uma parceria com a cantora Maísa Moura e parecia um passeio pelo lado Dr. Jeckyll do Mr. Hyde da música feita em Belo Horizonte.


Helena Leão/Divulgação

Makely Ka transforma em música sua poesia elétrica e desafiadora

Autófago, o disco, é Makely em seu território: poético, elétrico, desafiador e afinado com sua história de transgressões conseqüentes. Já na faixa que dá nome ao disco ele se posiciona: “Eu me alimento da carniça do meu pensamento/e me oriento por ecos e condicionamento/ meu amuleto são os ossos com que me sustento”. Formado por leituras e audições várias, que incluem Leminski, Torquato Neto, Wally Salomão e Chacal, Makely declara em Reator, entre confissões de boemia e carne em flor: “Eu fiz da poesia minha ambrosia/ meu sustento, meu amor.”

Produzido pelo domador de relâmpagos Renato Villaça, outro autor de méritos e movido a desafios, o disco foi gravado no Estúdio Engenho, pilotado por um experiente dinamitador de peso, André Cabelo. O trio Makely/Villaça/Cabelo extrai a estranheza necessária para que a poesia tenha a clareza desejável para ser compreendida, sem parecer didática ou recitativa.

“Destravem seu maxilares”, ordena o poeta na faixa de abertura, “desliguem seus celulares”, minutos antes de soar o sucessor de Arnaldo Antunes em Eu não, questionadora de identidades. Assumidamente perturbado pela cidade, ele abre Cérebro na Cuba, com célebre fala de Glauber Rocha, colocando a cara a tapa no programa Abertura, e confessa o estilo inquieto e briguento.

VITAMINADO De repente, no meio da fita, o vigor dá lugar à malícia crítica em Punk de butique, sobre “um moleque de reebock, completamente lock de araque”, seguida de um rock quase punk, sem ser de araque, Não se meta, com fala de Hugo Chávez na abertura e rima sexualmente explícita na conclusão. Meio mutante, com voz processada de Patrícia Rocha e bateria de Antônio Loureiro conduzindo o ritmo, Equinócio cheira a ciência poética, enquanto Endoscopia retoma a questão da identidade pela via da pluralidade de sons, etnias e geografia interplanetária. Hit nos shows, o coco Sorôco inaugura a reta final com pegada nordestina. Famigerado apresenta a voz de Maísa Moura cobrindo a faixa de delicadeza , antes que as guitarras assaltem a cena.

Mais discussão de liberdade, mais política. A outra cidade traz fala do subcomandante Marcos, gravada na cidade de Toluca, México, em 2001, abrindo caminho para o mais implacável retrato musical que BH já recebeu, com o refrão implacável: “E o Arrudas continua cinzento e cheirando mal”. Mudando de ribeirão para planeta, Plutão, com suas cordas e canto arrastado, poderia estar no Araçá azul de Caetano ou no Aprender a nadar de Macalé. Para terminar, a faixa bônus O meteoro evoca o poeta russo Maiakovski, detonando pessoalmente a poesia depois de sintomáticos dois minutos de silêncio.

Autófago apresenta, além de qualquer consideração ou juízo de valor, conjunto consistente de idéias bem-alinhavadas. Característica rara num cenário repleto de melodias sem vitaminas, letras sem consistência e obras sem conceito. A Makely o que é de Makely. Com todos os louros e riscos.

Postado em 19/06/2007 Blog!

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Sobre o autor

Makely Ka (Valença do Piauí, 1975) é um poeta cantor, instrumentista, produtor cultural e compositor brasileiro. Makely é poeta, compositor e agitador cultural. Atuando em diversas áreas como a música, a poesia e o vídeo. Incorpora à sua produção artística um componente crítico e reflexivo. Autodidata, desenvolveu uma poética musical própria, amalgamando elementos da trova e do aboio de herança ibérica às novas linguagens sonoras urbanas como o rap, do despojamento da poesia marginal ao rigor formal da poesia concreta.

(2) respostas

  1. 11/07/2007 de 02:29 · Responder

    e num é q eu tinha te visto no estado de minas mesmo!?

    e como será q anda sua criança?? espero q bem!!!

    até uma trobada qq!!

  2. Raíssa Machado.
    08/08/2007 de 11:47 · Responder

    Fico em paz de ver que existe um artista como o Makely, cuidando dos campos da arte contemporânea.

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