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Bota Fora da Ordem

A decisão unânime dos ministros do STF pela não obrigatoriedade de filiação à Ordem dos Músicos do Brasil reacende um dos principais debates do setor musical nos últimos anos, que gira em torno da regulamentação da profissão de músico. A lei  3857/60 sancionada no governo JK regulamentou a profissão e criou a OMB, uma autarquia federal como a OAB. Mas essa lei de 1960 não foi “recepcionada” pela Constituição Federal de 1988. A liberdade para o exercício da profissão é garantia constitucional prevista no art. 5°, XIII. Esse artigo foi usado como argumento para centenas de liminares judiciais garantindo o direito de livre manifestação artística dos músicos, ou seja, a não-obrigatoriedade de filiação. Eu mesmo, que atuo profissionalmente há mais de dez anos, fui dos primeiros a conseguir uma liminar, ainda em 2003, e por isso nunca precisei me filiar.

Para entender um pouco o contexto é importante lembrar que logo após ser criada os militares, que assumiram o poder em 1964, impuseram um déspota na presidência da OMB, o Sr. Wilson Sândoli, que consquistou o cargo graças à delação do seu antecessor por comunismo. O delator permaneceu no cargo por intermináveis 42 anos, usando manobras e artifícios pouco republicanos, até 2006, quando foi obrigado pela justiça a deixar o cargo, pois acumulava também o Conselho Regional da mesma entidade. Que a OMB precisa acabar não há a menor dúvida, é um órgão anacrônico, obsoleto. Entre tantas irregularidades que nos recordam tão freqüentemente os anos de chumbo, como manipulação das eleições, uso de poder de polícia, apreensão de instrumentos, há por exemplo o caso escandaloso da auditoria realizada em São Paulo que identificou a compra de carros blindados e armamento pesado.  Então, para mim e para a maioria dos músicos do país, a decisão do STF que abre na prática o precedente para a extinção da OMB está sendo comemorado como vitória. O que não significa que basta acabar. Em primeiro lugar queremos que seja realizada uma auditoria fiscal nas contas da entidade e sejam responsabilizados e punidos os dirigentes pelos abusos e desvios nesses anos todos.

Mas há também pelo menos duas outras questões que gostaria de destacar. Uma é a a regulamentação da profissão de músico, o que distingue um profissional, com seus direitos trabalhistas.  Qualquer um pode fazer música, mas nem todos são músicos profissionais. A questão dos jornalistas, citada por alguns dos ministros do STF, é o exemplo mais próximo. Qualquer um pode escrever uma reportagem, mas só tem direitos trabalhistas (definidos em convenções coletivas de trabalho como vale-refeição, adicional de periculosidade e insalubridade e percentual de adicional noturno) os jornalistas registrados. Esse registro poderia ser através dos sindicatos e a operacionalização do trabalho através das cooperativas por exemplo. É importante ainda deixar claro que, apesar da regulamentação da profissão e da OMB terem sido criadas pela mesma lei, são coisas diferentes, uma não está necessariamente colada à outra. Acho importante também na regulamentação da profissão estarem contempladas questões relativas à previdência, como a reivindicação de aposentadoria espacial com 25 anos.

Além dessa questão trabalhista outra que me parece muito delicada é o patrimônio acumulado nesses anos todos pela OMB. A OMB possui cerca de 50 mil inscritos em todo o país, com sede própria em todos os estados e no Distrito Federal. Além da capilaridade a OMB acumulou nesses cinqüenta anos um patrimônio considerável às custas do suor de milhares de músicos. Ignorar esse cadastro e entregar para a União esses imóveis seria injusto com aqueles que contribuíram pagando as taxas esses anos todos.

Por isso tudo venho defendendo a criação do Instituto da Música. É um estudo ainda preliminar, mas analisando a figura de fundações e institutos, estou inclinado a pensar que a criação de um Instituto da Música seja o mais adequado para dar conta das demandas do nosso setor nesse momento. Num primeiro momento a criação desse orgão teria a função de absorver o espólio e promover o fomento e apoio aos músicos que a OMB nunca conseguiu. Seria uma espécie de braço executor das políticas públicas para a área, atuando no sentido de cumprir as diretrizes e metas do Plano Setorial da Música, construído democraticamente ao longo dos últimos oito anos.

O Instituto poderia inclusive atuar também como órgão fiscalizador do ECAD, concentrando algumas das principais funções demandadas hoje pela classe. No âmbito do Ministério da Cultura a FUNARTE é a vinculada responsável pelas artes. Mas se nem a literatura, o folclore e o cinema estão mais na FUNARTE, porque logo a música, o setor mais complexo e estratégico do setor artístico, permanece ali na salinha do CEMUS – Centro de Música da FUNARTE? Lembro que o IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus) foi criado recentemente dentro de um contexto semelhante, guardadas as devidas proporções e diferenças entre o setor musical e os museus. Mas enfim, é ainda só um apontamento que precisa de mais fundamentação para ser apresentado como opção válida. Quero apenas deixar aqui a sugestão como reflexão.

Postado em 03/08/2011 Blog!

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Sobre o autor

Makely Ka (Valença do Piauí, 1975) é um poeta cantor, instrumentista, produtor cultural e compositor brasileiro. Makely é poeta, compositor e agitador cultural. Atuando em diversas áreas como a música, a poesia e o vídeo. Incorpora à sua produção artística um componente crítico e reflexivo. Autodidata, desenvolveu uma poética musical própria, amalgamando elementos da trova e do aboio de herança ibérica às novas linguagens sonoras urbanas como o rap, do despojamento da poesia marginal ao rigor formal da poesia concreta.

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