Jornal O Tempo
Domingo, 13 de abril de 2008
Criação Poética e Reflexão
Makely Ka
Poeta, compositor e produtor
Fabiano Chaves
No “Autófago”, quis mostrar meu trabalho como intérprete. Fiquei muito à vontade para cantar minhas músicas [aquelas mais simples e diretas, menos rebuscadas do ponto de vista harmônico e melódico]. É um disco mais roqueiro, mais aguerrido, mais militante. Como compositor, acabo sendo conduzido a diferentes melodias [muitas das quais não me sinto à vontade para cantar já que tenho recursos vocais limitados]. O trabalho vem a partir da palavra. Nesse disco, tive [me dei] a oportunidade de criar e tocar [e cantar] também. Só toco minhas próprias músicas. Me sinto [mais] à vontade assim. E isso acabou por definir um pouco o meu trabalho. Não me arrisco a tocar composições dos outros. Não tenho competência para isso. [sempre que me arriscava a tirar uma música acabava fazendo outra]
Você é uma pessoa que transita em diversos gêneros artísticos. Porque a opção de realizar multiatividades?
Isso vem dentro de um conceito recente de auto-produção. Coloquei como meta, sobreviver do meu próprio trabalho artístico. Em função disso, tenho que me desdobrar. Então, trabalho muito com oficinas, debates, palestras, edição de livros, por exemplo. São atividades que não têm a mesma visibilidade que o trabalho artístico [cd e show por exemplo], mas que complementa financeiramente. Atuando em diferentes áreas, consigo pagar minhas dívidas.
O forte do meu trabalho continua sendo a música, a literatura e um pouco de trabalhos em vídeo também. É uma opção muito clara, pois isso me enriquece muito [não tanto do ponto de vista financeiro, se é que vocês me entendem, a riqueza aqui é a troca de experiências propiciada por essas atividades]. Você consegue se reciclar. Penso que a troca de experiências é muito importante para o trabalho.
Seu trabalho incorpora um componente crítico e reflexivo. Essa é uma característica que sempre o acompanhou? Você se considera um criador inquieto?
Estudei filosofia, mas acabei abandonando o curso no último período por diversos motivos. Porém, me envolvi muito com a questão da crítica, da reflexão. É um processo natural incorporar questões políticas no trabalho e nem acho que o processo de criação está desvinculado disso. O fato de você nascer em uma determinada cultura, falar determinado idioma, por si só já carrega um elemento político.
Isso acontece naturalmente, sem que você perceba. As pessoas fazem parte de um contexto. Esse engajamento político, essa crítica e reflexão, tudo isso é um transbordamento daquilo que vivemos diariamente.
Como poeta e compositor, você consegue estabelecer uma relação entre poesia e música?
É possível criar uma poesia cantada? Isso é até [tema] uma oficina que ministro. A relação da tradição oral com a palavra escrita. A poesia sempre foi cantada. Na história da tradição oral, existem elementos que facilitam a memorização, como rimas [aliterações, etc]. Isso é uma tradição anterior à escrita. Acabou que fomos entender a poesia distinta da música. Mas não é. Atualmente, a letra de composições brasileiras recupera essa questão.
Na Índia, os textos clássicos sugerem que foram cantados antes de escritos, por causa de elementos próprios da poesia cantada. Há uma reverberação dessa tradição dentro da música popular brasileira. Não vejo contradição. Sei que quando escrevo canções, tenho que lançar mão de elementos, como a rima, que vão instigar a criação. E ocorre o contrário também, quando recebo uma melodia [nesse caso eu tenho de colocar uma letra dentro de uma estrutura já pré-definida, uma métrica sugerida]. Ás vezes, faço um poema que não tinha a pretensão de musicá-lo [e alguém me surpreende transformando aquilo em canção]. Minha parceria com o Kristoff (Silva) tem muito disso.
Falando em parcerias, conte um pouco dessa característica na sua atividade.
Sempre acho que a parceria é uma concessão que você faz, e acho ela muito bem vinda. Existe uma grande cumplicidade. Além dos parceiros constantes, como o Kristoff Silva e o Pablo Castro, tenho realizado ótimas parcerias [também] com o Chico Saraiva, o Mário Sève, o poeta português Thiago Torres da Silva [Luis Felipe Gama, Leo Minax, entre outros].
Elas ampliam o seu universo, abrem caminho para questões que não faria sozinho. São coisas que são fruto da generosidade dessas parcerias. Este ano, tem muita coisa minha em trabalhos de grandes amigos e parceiros. A Maísa Moura, em breve, lança disco com canções minhas, o mesmo com a Elisa Paraíso [a Titane, o Tattá Spalla, o Rafael Macedo, a Aline Calixto, a Estrela Leminski e o Téo Ruiz, a cantora carioca Carol Sabóia, a curitibana Talita Kuroda, o grupo mineiro Quebrapedra]. Tenho trabalhos [parcerias ainda inéditas também] com o Mestre Jonas, Pablo de Castro, Alda Rezende [todos sendo lançados]. Acho isso ótimo. Têm canções [a maioria] que não cantaria [em meu trabalho solo].
No seu site, há uma frase que diz “ultimamente, ganho uns trocados como um operário da contra-indústria”. Explique o que quis dizer com “operário da contra- indústria”?
A idéia de contra-indústria, na verdade, vem para substituir o termo independente, já bastante desgastado. Isso vem de diversas discussões em fóruns que participo, onde confirmamos a não-especialização do artista. A grande indústria busca e exige especialização. Isso não tem admissão do todo. O compositor não sabe como o trabalho será distribuído. O distribuidor, por não saber nada de música, enfia o disco em qualquer prateleira.
Você perde a noção do todo. O conceito é no sentido de propor uma nova forma de produção. Há uma grande falta de comunicação, acontece um esquema esquizofrênico [na grande indústria]. A própria inovação tecnológica trouxe uma mudança de paradigmas. É uma outra forma de produção [que estamos propondo, você dar conta de todos os elos da cadeia produtiva, entender todo o processo]. Trabalhamos com cultura, um bem renovável. Quanto mais se produz, mais estímulo para criar. É outra lógica de funcionamento. [É o que alguns chamam de economia criativa]
Atualmente, em que projetos está envolvido?
Tenho trabalhado intensamente com a Cooperativa da Música de Minas [COMUM]. É uma demanda antiga, onde desenvolvemos diversas ações. Estamos montando um festival, uma espécie de reedição do “Reciclo Geral”, que foi o ponto de partida de uma geração inteira aqui de Minas Gerais, como Rafael Macedo, Vítor Santana, [Érika Machado, Maurício Ribeiro, Leopoldina, Dudu Nicácio, Mariana Nunes, Pablo Castro, Júlia Ribas] entre tantos outros artistas. A intenção é criar o “Reciclo Gerou”, mostrando exatamente o que aquilo produziu no cenário musical de Minas.Também estamos desenvolvendo uma ação para exportar o nosso potencial [Programa de Exportação da Música de Minas].
Atualmente, temos no Estado uma grande diversidade e riqueza que não tem em outro lugar. Nos últimos dois anos, viajei pelo país e posso afirmar que não há cena como a de Minas Gerais. Também estou envolvido com a criação de um espetáculo de poesia sonora, chamado “Verborragia Mínima”, ao lado do videoartista Chico de Paula e com intervenções eletrônicas da Patrícia Rocha.
Junto com o Kristoff Silva, estou trabalhando na trilha para um espetáculo da Cia Seraquê!. No próximo semestre, já começo a trabalhar
Conte um pouco sobre a sua formação artística.
Toda a minha formação artística vem de família. Na minha infância e adolescência, tive a sorte de conviver com músicos. Meu tio tocava violão, pintava, esculpia. Comecei a aprender a tocar com ele. A minha mãe é professora, então tive estímulo e acesso ao universo da literatura. Já meu pai vem de uma família de vaqueiros. Então sempre teve aquela tradição do aboio, fundamental na minha formação.
Os trecho entre colchetes eu incluí para tentar melhorar o entendimento. A impressão que tive é que o jornal, que agora adotou o formato de um tablóide, tinha pouco espaço e a entrevista teve de ser enxugada. Com isso alguns raciocínios se perderam, alguns exemplos ficaram de fora, algumas frases perderam o sentido. São os percalços do jornalismo contemporâneo!
organizando os movimentos, orientando os carnavais, lá vai o makely deflorando a bandeira para além das manhãs tropicais.
sim! nós temos o autófago!
abração!
Gostei muito da entrevista! Abre os nossos olhos e aclara nossas mentes!! Muito bom makely, sábias palavras…
Faltou falar de sua trilha pra “Rato do Subsolo ou o ódio impotente”. Ou você pretende negar sua devoção aos esgotos? Grande abraço, bela entrevista – n’O tempo, apesar dos cortes, também não saiu das piores.
Julliano Mendes
bom, pelo menos desta vez não te batizaram moçambicano, risos.
Valeu Marden, mande notícias de Barão! Que movimento vocês estão organizando aí?
Seja bem-vindo Miguel.
Henrique, a idéia era embassar as vistas e confundir a mente. Mas nem sempre a gente consegue fazer o que se propôe. Paciência!
Julliano, se o projeto tá de pé eu tô dentro. Vamos conversar.
Pois é Mary, dessa vez me colocaram em meu devido lugar!
Abraços